23 de ago. de 2013

Resenha: Por este mundo acima - Patrícia Reis





A escrita da  portuguesa Patrícia Reis não me é estranha e já há muito me agrada. Minha primeira leitura dessa escritora, editora e jornalista portuguesa, foi do Morder-te o Coração, que foi editado aqui no Brasil pela editora Língua Geral, em sua coleção Ponta de Lança, que, como a Coleção Novíssimos da Leya, tem como objetivo apresentar a "safra" de autores portugueses contemporâneos. E sabedora da minha vontade de completar a belíssima coleção da Leya, a minha amiga querida, Tatianne Dantas, do blog e vlog No país das entrelinhas, me presenteou com o lindo Por Este Mundo Acima, que li há algum tempo, é fato, mas só agora acho que consigo realmente escrever sobre ele as minhas impressões acerca da leitura.


Os livros tem música lá dentro, quanto mais os lemos mais entramos neles, colam-se à nossa pele e fazem da voz o que querem. Eduardo sabia livros inteiros, passagens que citava com gosto. E depois, aquela pequena lista de livros de cabeceira, como lhe chamava. Treze obras para todas as obras, para estado de alma e outras propensões filosóficas. Na sua maioria se repararmos, são livros curtos. Um dia, Pedro perguntou-le por que esta escolha. Eduardo respondeu, bem-disposto
Um grande livro Não precisa de ter trezentas páginas, Pedro. A vida pode ficar todo em noventa páginas."

Por este mundo acima, é antes de tudo uma ode à amizade e ao poder transformador das artes, sobretudo dos livros e da música. Com este livro Patrícia Reis quis deixar um legado para os seus filhos, bem como fazer uma homenagem  a duas grandes amigas: Inês Pedrosa [] e Maria Manuel Viana, pois como ela mesma diz: "A amizade é a melhor forma de amor e pode ser transformadora".

Por vezes, vislumbro um corpo que, rápido, se escapa na paisagem.
    As pessoas, os sobreviventes, não querem conversar."

O cenário do romance é uma Lisboa pós-apocalíptica, em mundo devastado por algum tipo de catástrofe que não é, em momento algum, elucidada, já que este não é o foco do livro. E nesse cenário encontramos Eduardo, um senhor de meia-idade, ex-editor altivo e poderoso, vivendo solitário, humilde, em uma condição animalesca, pois não há eletricidade, água canalizada e pouquíssima comida, remoendo as lembranças de seu passado e a falta de seus melhores amigos. E é através de anotações, listas que guarda em caixas de sapato que traz à tona as lembranças de cada um de seus melhores amigos: Jaime, o dono de uma galeria de arte, Lourenço, o realista, objetivo, político e Sofia [], a filha rebelde de um militar, mulher que, de tão só, dizia poder ouvir seu corpo envelhecer, além de ser dona de um segredo que Eduardo só descobre  quando já era tarde demais.

Uma coisa é verdade, apesar das diferenças, éramos uns dos outros: Jaime na arte, Lourenço na política, escrevendo nos jornais e nos blogues, Sofia salvando o mundo. Um dos sentimentos que me animavam era a união entre os quatro. Pertencíamos uns aos outros. Sem qualquer dogma. Podíamos conversar sobre tudo e disparatar como crianças. Até a maldade era desculpável. Possuíamos um registro que nos tornava diferentes. Gostava dessa ideia, de sermos o tudo e o nada uns dos outros, cruzando a vida de outras pessoas, mas regressando àquela base de afecto e confiança."

No entanto, algum tempo depois, Eduardo encontra um manuscrito de um livro inédito, anterior à catástrofe, não totalmente desconhecido dele, mas que fala de um futuro que passou a ser o presente e conhece Pedro, um garoto também perdido e solitário. E é esse duplo encontro que dará sentido à velhice de Eduardo, despertando nele a bondade que se escondia em si e que a máscara da arrogância de seu tempo de editor não deixava transparecer.

Como disse acima, Por este mundo acima é, antes de tudo, uma ode à amizade, ao poder redentor da arte, à crença no lado bom das pessoas, mas também fala com maestria de um mote triste, uma ferida purulenta e putrefata que infelizmente infecta o mundo: o abuso sexual, que em sua maioria se dá dentro de casa, entre os familiares das vítimas. Aqui as histórias, as ilusões, as perdas, os recomeços, tudo, "tudo se mistura como tintas a desfazer-se em água". O bem e o mal marcado em reações, medos, contradições e instintos do homem, pois ambos são condição humana.

O romance é quase todo narrado em primeira pessoa, misturado às lembranças, cartas, bilhetes que Eduardo vai rememorando, como trechos e citações de livros, mas há também uma parte onde temos a oportunidade de sabermos mais sobre Pedro. E uma grata surpresa que tive com relação à edição, muito bem feito por sinal, é a de terem mantido os vocábulos em português de Portugal. Gosto muito quando isso se dá, pois há, ao menos pra mim, a oportunidade de me ligar ainda mais com o espaço/tempo e com as personagens de mais uma vida a que me entrego, e é impossível não se entregar com todas as possíveis e impensáveis emoções à mais essa vida que nos foi dada tão carinhosamente por Patrícia Reis!




Foi entre lágrimas que terminei esse livro e assim fiquei ainda por uma semana, totalmente envolvida pelas personagens e ainda mais agradecida à Tati [] por ter escolhido me dar, justamente, esse título da coleção!!



♥♥♥♥♥




Título: Por este mundo acima
Autora: Patrícia Reis
Coleção Novíssimos
Editora: LeYa
Ano: 2012
Número de páginas: 170



3 comentários:

Déa disse...

Li o "Amor em segunda mão", da Patrícia, e achei bem interessante, embora não tenha sentido nada tipo "ohhh!" enquanto lia.
Coleciono a Pnta de Lança e tenho até medo de conhecer os livros da Novíssimos, mas você me deixou com bastante vontade de ler "Por este mundo acima".
Um beijinho!

Michelle disse...

Adorei a resenha, Paty!
O assunto me agradou e, coincidentemente, o assunto do próximo mês do DL é autores portugueses contemporâneos. Mesmo que não leia agora, já vou deixar a dica anotada para uma próxima oportunidade.
Aliás, esses dias baixei um livro de outra Patricia (a Madeira) que é escritora portuguesa contemporânea. Você conhece? O site da Leya Portugal está disponibilizando o livro gratuitamente :)
beijo!

Flavio P. Oliveira disse...

Eu li em torno de quarenta livros nesse ano, vários excelente, clássicos, mas esse foi o melhor de todos. Um livro maravilhoso!

:D