10 de ago. de 2013

Resenha: As Meninas - Lygia Fagundes Telles





Ao final de 2012 eu fiz uma espécie de planejamento visando ler em 2013 alguns autores dos quais nunca tinha lido nenhuma obra, e entre eles figura a escritora brasileira Lygia Fagundes Telles. Resolvi começar pelo seu primeiro romance, A Ciranda de Pedra, como intuito de acompanhar a Nádia Lima, do vlog Mil Folhas, em sua leitura cronológica das obras da autora. No entanto, a autora escolhida para ser lida pelos participantes do Fórum Entre Pontos e Vírgulas no mês de julho foi justamente a paulistana Lygia, então parei com a leitura para esperar pelo resultado da enquete, que teve o livro As Meninas como o mais votado e escolhido para a leitura comentada do mês de julho.


As Meninas  foi lançado em 1973, depois de 3 anos de trabalho da autora, e tem como pano de fundo a época da Ditadura militar no Brasil, e foi premiado com vários prêmios, entre eles o Jabuti. Conta a história de 3 jovens estudantes universitárias que se conhecem em um pensionato de freiras em São Paulo e que, apesar de suas diferenças sociais, de personalidade e de valores morais, tornam-se muito amigas, e durante um bom tempo se ajudam mutuamente, compartilhando seus dramas, medos e sonhos.

Há uma dificuldade inicial da leitura devido ao foco narrativo, que muda de acordo com a personagem, pois a história é narrada através do fluxo de consciências das meninas, com isso teremos lembranças, falas, sentimentos, ações, críticas, alucinações, desejos, tudo misturado; mas à medida que avançamos na leitura passamos a identificar a personalidade e o estilo de cada uma delas e, assim, entendemos que esse livro não poderia ter escrito de forma melhor do que através do fluxo de consciência. 

Lorena Vaz Leme, é a filha de fazendeiros, é a menina rica, culta, fina, representante da aristocracia, estudante de direito e é quem usa bastante de citações: frases em outros idiomas, citações de autores diversos, de músicas, nela podemos ver que há uma educação esmerada, onde o popular e o erudito se harmonizam. Viu a derrocada da família depois que um de seus irmãos gêmeos, acidentalmente, atinge o outro com um tiro de espingarda. O pai é internado num sanatório; o irmão cresce, traumatizado pela culpa, e se torna diplomata, vivendo sempre fora do Brasil, de onde mima a irmã com presentes de toda espécie; e a mãe segue envolta em fantasias e falsas ilusões e com muita terapia.

O ponto de equilíbrio que Lorena tem é o seu quarto, sua concha dourada e rosa, que é onde se passa praticamente toda a ação do livro. É nele que ela procura viver seus sonhos, faz ginástica, lê, ouve música, filosofa, toma sol e recebe as visitas das amigas, das freiras que se preocupam com ela por quase nunca sair de dentro do quarto. É nessa concha que ela sonha com o dia que deixará de ser virgem nos braços de MN, seu amante secreto, que é casado e pai de 5 filhos.

"Mas não quero resposta, quero ficar só. Gosto muito das pessoas mas essa necessidade voraz que às vezes me vem de me libertar de todos. Enriqueço na solidão: fico inteligente, graciosa e não esta feia ressentida que me olha do fundo do espelho. Ouço duzentas e noventa e nove vezes o mesmo disco, lembro poesias, dou piruetas, sonho, invento, abro todos os portões e quando vejo a alegria está instalada em mim."

Lia de Melo Schultz, Lião,  saiu da Bahia, deixando uma mãe super protetora e um pai ex-oficial nazista, para estudar Ciências sociais. De certa forma é o contrário da amiga Lorena, já que tem um jeito mais desleixado, não é afeita a tomar banhos, é descuidada com sua aparência; se envolve com a militância de esquerda; Che Guevara é seu ídolo máximo e se apaixona por Miguel, que devido à militância, tornou-se um preso político. Está sempre discursando sobre o quanto a burguesia é alienada a pobreza do Nordeste, critica as amigas, preocupa-se em conseguir dinheiro para o "aparelho". E é no seu engajamento político, na possibilidade ajudar os amigos, no amor de Miguel e na segurança que os pais, mesmo de longe, lhe dão, que ela encontra seu equilíbrio.

- Não sei explicar, Madre Alix, mas o que queria dizer é que embora resguardada a senhora luta a seu modo, respeito sua luta. Respeito até a luta dos que querem nos destruir, respeito sim senhora, eles estão na deles. Como estamos na nossa, enfraquecidos, traídos, divididos, não calcula como estamos divididos. Mas vamos agüentando. Um que fique tem que correr como um cão danado pra passar o facho ao seguinte que recebe e sai correndo até o próximo que nem estava na corrida, entende. De mão em mão. É demorado mas não estamos mais com tanta pressa.

Ana Clara Conceição, Ana Turva, é a personagem mais frágil e incoerente das três, em termos de personalidade. Filha de uma prostituta, desconhece sua paternidade, amargou uma infância triste e pontuada de abusos diversos. Via a mãe machucada pelos diversos parceiros, o que acabou culminando no suicídio da mãe por ingestão de formicida. Mas antes foi seduzida e abusada sexualmente, bem como a mãe, por um dentista. É uma modelo muito bonita, mas que se envolve com Max, um traficante e viciado em drogas que acaba por viciá-la também. Devido aos abusos na infância e por conta de seus traumas, Ana Clara não consegue ter prazer em suas relações. Seu maior desejo é casar-se com o noivo rico, continuar com a faculdade de psicologia, mas entre uma fuga e outra da realidade, ela vai sempre adiando suas decisões para "o ano que vem". Tudo o que queria com o uso do álcool e das drogas era que seu fluxo de consciência, que suas memórias e tristezas cessassem, que parasse de pensar em tudo que tinha vivido até ali; mas nem mesmo o amor, a preocupação e os cuidados das amigas e da Madre Alix foram suficientes para salvá-la de seu fim trágico. 

Max eu te amo. Eu te amo mas não sinto nada nem com você nem com ninguém. Faz tempo que já não sinto nada.Travada

Onde será que foi parar o meu botão eu disse e de repente ficou tão importante aquele botão que saltou quando a mão procurava mais embaixo por que os seios já não interessavam mais. Por que os seios já não interessavam mais por quê? O botão eu repeti cravando as unhas no plástico da cadeira e fechando os olhos para não ver o cilindro de luz fria do teto piscando numa das extremidades e o botão?

É impossível ler esse clássico nacional sem se envolver com as personagens em vários de seus momentos, alucinações, delírios e desejos... É impossível sair ilesa de um romance assim, denso em vida, em vontade de viver cada vez mais e melhor, e de esquecer o que há de ruim no mundo, à nossa volta e em nosso mundo interior.

As Meninas é um livro que toda pessoa deve ler, mesmo que hoje, pra algumas pessoas, ele possa parecer datado, já que denuncia o regime ditatorial e suas implicações e torturas, mas será sempre atual no quesito ser humano e suas lutas interiores, sejam elas emocionais e ou políticas, traumáticas ou materiais.


♥♥♥♥♥ 



Título: As Meninas
Autora: Lygia fagundes Telles
Editora: Companhia das Letras
Ano de lançamento: 2009
Número de páginas: 304




2 comentários:

Rê Lima disse...

Eu li esse livro na faculdade, Pati e lembro que mexeu bastante comigo, mas preciso reler!
Lembro de ter gostado dele porque apesar do fundo político o livro é mesmo sobre as meninas e suas aspirações, seus sonhos, seus demônios, achei isso muito interessante!
Beijocas

André disse...

É tanta gente comentando As Meninas que eu já estou morrendo de vontade de ler. Mas andei metendo pé na jaca ultimamente... Vou ter que esperar um pouco agora... Ai, ai... =S