23 de jan. de 2013

Resenha: Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios



"Numa cidade de garimpo do pará, conflagrada pelas tensões de uma corrida do ouro, um fotógrafo vive uma paixão clandestina com uma mulher misteriosa e sedutora. Mesmo sabendo dos riscos do jogo, ele decide ir até o fim - e agora está de volta para relatar o que viveu."
Sinopse na contra-capa do livro.



Marçal Aquino não é um mero estreante escritor brasileiro, ao contrário, é jornalista, roteirista e escritor bastante conhecido; eu é que, sem ainda entender como, ainda não tinha lido nada sobre ele e ou suas obras.
O meu primeiro contato com o nome Marçal de Aquino foi através de uma entrevista onde a atriz Camila Pitanga fala sobre o filme Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios, do qual é a protagonista. Fiquei extremamente interessada pela história e resolvi que veria o filme tão logo chegasse aos cinemas da minha cidade, se chegasse! Mas quando ela mencionou que o filme fora baseado no livro homônimo de Marçal de Aquino, aí sim meus olhinhos brilharam, e tudo ficou ainda melhor!
Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios, é um título que por si só já nos remete ao passional; é lindo e atraente, nos pega pela mão com a promessa de nos proporcionar um entretenimento de qualidade ímpar, de puro prazer e deleite. E assim ele se cumpre!
A história se trata da paixão avassaladora entre Cauby, um fotógrafo quarentão, bonito, sedutor, inteligente, que adora música clássica e tem uma plantação de maconha no quintal de sua casa; e Lavínia, uma mulher sedutora, casada, misteriosa, cíclica e que se entrega sem reservas a essa relação visceral e única. Lavínia é casada com o pastor evangélico Ernani, um personagem que, a princípio, parece bastante alheio e fora do contexto da obra, mas é só aparência. O romance ainda tem como cenário uma cidade pequena do Estado do Pará, onde a tensão entre mineradoras e garimpeiros é praticamente palpável, devido a mais uma “corrida do ouro”. Cauby e Lavínia se conhecem na loja de Chang, um pedófilo que é o dono da única loja de artigos fotográficos da cidade, onde costuma se divertir e fotografar meninos que seduz.
                A narrativa criada por Marçal Aquino é crua, mas no sentido de ser natural, direta e simples, sem firulas nem rodeios, onde o lirismo de muitas passagens dialoga perfeitamente com o chulo, o vulgar de outras. O romance é narrado no presente, mas não é, digamos, sequencial. Aquino nos leva adiante e retrocede como se estivéssemos na mente de Cauby; permitindo-nos ver relances do que acontecerá e do que se passou com os personagens, nos deixando sempre intrigados e em suspense para realmente chegarmos ao clímax da obra! Ele ainda amarra muito bem a narrativa com as inúmeras citações do filósofo Schianberg, que é um filósofo fictício, mas bem que torci pra ser real e publicado! 
O livro é dividido em quatro partes com subtítulos tão bons quanto o título: "O amor é sexualmente transmissível", "Carne-viva", "Postais de Sodoma à luz do primeiro fogo" e “Poema escrito com bile”. Quase todos os capítulos são narrados pela voz do Cauby, com exceção de “Carne-viva”, que nos é apresentado por um narrador onisciente.
Em "O amor é sexualmente transmissível", a narração tem um tom urgente, quente onde a paixão de Cauby e Lavínia é quase palpável. No entanto, Lavínia ainda se afigura como uma incógnita; e a vontade de sabermos mais sobre ela nos assoma de tal forma que quase nubla a apresentação de outros personagens tão interessantes, como o Careca [Altino], que relata toda noite seu amor platônico por Marinês; o menino, que fica sempre escutando as histórias do Careca e diz que escreverá um livro; a dona da pensão, a Dona Jane, entre outros. E a presença de Ernani, marido de Lavínia, é praticamente ignorada.
No entanto é na segunda parte do romance que o pastor Ernani toma forma diante de nossos olhos; e também  nos é apresentada, de uma forma direta e sem rodeios, a “verdadeira” Lavínia.  Toda a sua triste história se desenrola aos nossos olhos que se inundam a cada página. É muita dor, solidão e violência para uma única pessoa suportar, então fica um pouco mais claro o porquê de Lavínia ser “dupla”! A partir de toda essa apresentação, é que vemos também o relacionamento de Ernani e Lavínia se desenrolar, e não há como nos permitir o engodo, nada é somente gratidão nesse romance, muito menos a relação desse casal.
Nesse capítulo ainda perceberemos que a estrutura narrativa muda um pouco; nos diálogos não há o costumeiro travessão, mas nada que atrapalhe a leitura, ao contrário, é um recurso que nos permite interagir ainda mais com a obra, pois os diálogos são construídos de forma surpreendente!
Nas duas últimas partes de Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios, nos vemos diante de mudanças nos relacionamentos, que se afiguram primeiramente sutis, como em todo              início de relacionamento e que vão ganhando proporções cada vez maiores e mais urgentes. É aqui que percebemos os ciúmes de Cauby, a necessidade de ficar cada vez mais perto de Lavínia, e a sua resolução em se afastar, numa espécie de lampejo de razão diante de toda anunciação da provável tragédia, que, por sinal, ele anuncia logo na primeira página do romance.
Ainda é nesse ponto da obra que percebemos, diante de tantos personagens intrigantes, intensos e tão incrivelmente construídos, que não há heróis nem vilões, que tudo o que cerca o romance é a pura realidade humana, com sua crueza e leveza, defeitos e virtudes convivendo em quase harmonia; onde o destino é quem os enlaça e os tange pelos caminhos, mesmo que sejam diferentes e cada um, em separado, seguindo o seu. O final do livro, mesmo diante de tanta anunciação, é surpreendente e nos deixa ainda mais encantados!
Há em Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios tantos detalhes, paradoxos e entrelinhas que é quase impossível falar dele sem comprometer o enredo. É simplesmente uma obra incrível e que deve ser lida com paixão, com tempo e que seja infinita, mesmo que a sua leitura dure apenas um dia, com o perdão do trocadilho! ;oD



Veja também o vídeo, onde tento falar acerca das minhas impressões! ;oD


Título: Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios
Autor: Marçal Aquino
Capa: Kiko Farkas / Máquina Estúdio e Elisa Cardoso/ Máquina Estúdio
Páginas: 232
Formato: 14.00 x 21.00 cm
Acabamento: Brochura
Lançamento: 31/10/2005
ISBN: 9788535907360
Selo: Companhia das Letras


Um comentário:

Melissa Padilha disse...

Olá !
Como você mesma disse, o título por si só é um convite a leitura dessa história.
Parece muito interessante e não sei porque mas gosto muito de histórias que não tem vilões ou bonzinhos, a vida não é assim, porque tem que ser nos livros?
Sei que mostrar tudo em preto e branco é um costume comum seja lá em qual tipo de história que se esteja contando (livro, filme, série ...) mas a vida na verdade, é em muitos tons de cinza (sem referências aqui aquele livro horroroso :p) mas a verdade é que existe muitas nuâncias e que isso deva se retratar nas histórias contadas por aí.
adorei o post!
abraços
Melissa
Olá !

Eu faço muito essas compras no escuro, quando não sei nada sobre o autor ou a história. É sempre um chute no escuro,mas as vezes vale a pena, porque livros que você nunca imaginou nos surpreendem muito.
abraços
Melissa
decoisasporai.blogspot.com.br