8 de out. de 2012

Resenha: O Livro das Coisas Perdidas - John Connolly



Quando somos crianças, em momentos de dor e perda, o que efetivamente funciona, é deixar a imaginação tomar conta. Darmos asas à ela e nos permitimos ser levados a mundos quase que perfeitos, cheios de aventuras e inocência, que realmente nos salvam da dura e dolorosa realidade da perda.
E é disso, também,  que se trata O Livro das Coisas Perdidas.

A forma suave, envolvente e  leve que o John Connolly começa a desenvolver a história é mais do que cativante, é poética! E ele a utiliza da melhor forma pra nos demonstrar como era a relação entre David e a sua mãe, o que é essencial para que se entenda todo o desenrolar da história.

"As histórias queriam ser lidas, dizia, num murmúrio, a mãe de David. Precisavam disso, era por isso que forçavam passagem do seu mundo para o nosso. Queria que as fizéssemos viver."

David tem 12 anos, é muito esperto e  tem uma relação muito íntima com a mãe, que lhe despertou, desde cedo o gosto pela leitura. No entanto ela sofre de câncer, e por acreditar que pode mante-la viva, David cria uma série de rituais, que mais parece, na verdade, um comportamento de quem sofre de TOC (transtorno obsessivo compulsivo). Mas quando sua mãe morre ele acaba por introjetar a culpa. Acredita que em algum momento pode ter deixado de fazer um ou outro passo ou o ritual errado. Mas ainda assim prossegue com os rituais, pois acredita que é isso que manterá o pai vivo!

Como se a perda da mãe não fosse suficientemente dolorosa, David acaba tendo que lidar com outra reviravolta. Após alguns meses seu pai o apresenta a Rose, a diretora do hospital onde a mãe de David  se tratara, como uma amiga e pouco depois, anuncia que irão se casar e que logo David ganhará um irmãozinho: George. Como lidar com tudo isso e ainda manter a sanidade?

"Como a mãe lhe dissera certa vez, o mundo das histórias antigas, dos clássicos contos de fadas, existia paralelamente ao nosso, mas, às vezes, o muro que separava os dois mundos se tornava tão fino e frágil que eles começavam a se fundir."

Enciumado, sentindo-se sozinho e negligenciado, David começa a ouvir o sussurrar dos livros em seu quarto, e a ter desmaios súbitos seguidos de crise convulsiva. E, como pano de fundo, a Segunda Guerra Mundial começa a chegar a Londres, e David se muda com o pai para a casa de Rose, que ela herdara da família. Nessa nova casa  é que as tensões entre o menino e Rose se tornam mais densas, prejudicadas ainda mais com as longas ausências do pai de David. Como se fosse um prêmio de consolação,ele ganha um quarto que é na verdade uma grande biblioteca, cheios de livros de todas as idades e que a cada dia que passa, sussurram mais alto à sua volta. E é onde passa a escutar, também, a voz da mãe, lhe pedindo para ir encontrá-la.

"David, eles estão me levando embora. Não deixe que eles me levem para longe de você. Por favor! Me siga e me leve pra casa. Me siga no jardim"

E, numa noite, depois de uma briga feia com Rose e de ouvir mais uma vez a voz da mãe, David se rende ao apelo da voz e escapa de seu quarto, indo de encontro ao jardim rebaixado, por onde corre, com o caminho iluminado pela luz de um bombardeiro em chamas que está despencando do céu. E é nessa hora que, por um buraco no muro, David adentra em um mundo mágico, que só julgava possível nos livros de contos de fadas que sempre adorou ler.

E é justamente nesse ponto que a escrita do John Connolly deixa de ser tão leve, pois em vez de campos floridos, personagens carismáticos e bondosos, leremos sobre histórias sombrias, heróis torturados e bestas prontas para matar assim que a noite cai.

Nesse mundo sombrio David enfrentará feras, bruxas, perderá  amigos e benfeitores; irá conhecer o Homem Torto, que fará de tudo para mantê-lo nesse mundo já quase sem esperanças, e também aprenderá a lidar com seus medos, dúvidas e a distinguir em quem realmente confiar, pois é só enfrentando tudo isso  que poderá encontrar o Rei, que guarda um livro misterioso , e que poderá dizer-lhe como voltar à sua casa em Londres.

Apesar de ter muitas características e personagens das histórias  de contos de fadas e da mitologia que conhecemos, Connolly  abusa de elementos bem mais adultos e sombrios. Fica claro que a jornada do pequeno David é, sem dúvida, a mesma que uma criança enfrenta pra se tornar adulto.

Através do universo tido pela maioria como infantil, o autor desenrola o enredo usando de de símbolos e metáforas perfeitas, criando uma versão única das histórias, como por exemplo, a que ele faz com o conto da Branca de Neve e o os 7 anões. Ele une capitalismo e o socialismo à trama, transformando a donzela numa megera obesa e os anões em operários cujo engajamento político poderia ser classificado como invejável! Além de falar sobre sexualidade, abuso infantil, amizade, lealdade, amor e guerra, ele nos mostra o medo de crescer e ser substituído, o pavor da guerra em cenas inacreditavelmente perversas e lindas.

Nada é muito explícito, ao contrário, é poético e transitório, uma narrativa extremamente envolvente!
O final pode não ser, para alguns, tão surpreendente, mas é, certamente, cheio de beleza e emoção.
É um livro que recomendo a jovens e adultos que gostem de uma história inteligente  cheia de "entrelinhas" e de fantasia com toques mais sombrios.

"Tudo o que se pode imaginar é real."
Pablo Picasso



Título: O Livro das Coisas Perdidas
Autor: John Connolly
Nº de páginas: 363
Ano Edição: 2012
Editora: Bertrand Brasil
Leia o primeiro capítulo

Um comentário:

Monique disse...

Eu amo esse livro é tão incrivelmente metafórica 😍