11 de mar. de 2015

Um, dois e já – Inés Bortagaray






Estava me preparando para uma viagem curta e de última hora quando me perguntei o que levaria pra me distrair durante a viagem. Então resolvi que leria Um, dois e já, primeiro livro da uruguaia Inés Bortagaray  lançado no Brasil, e qual a minha surpresa ao, já dentro do ônibus, me deparar com uma outra viagem...
Uma família composta por pai, mãe e seus quatro filhos, estão de férias a caminho da praia. Quem narra essa história em trânsito, é a filha do meio, que tem cerca de 10 anos de idade. Sem se nomear, e entre jogos e brigas pra ver quem finalmente se sentará à janela (trocam de lugar a cada 200 km), entre cochilos e sonhos, e digressões de todas as ordens, é ela quem nos guiará por sua vida, a de sua família e é por seus comentários, em sua visão infantil, que também começaremos a nos localizar no tempo e espaço da obra.

"A mudança de lugar é trabalhosa. Piso no meu irmão, que protesta, deslizando rapidamente para o canto. Minha irmã mais velha abre as pernas comprimidas e sua coxa esquerda rouba um pouco do meu espaço. Não cedo e abro as pernas também. Engulo uma reclamação enquanto meu joelho pressiona o dela..."

 Em momento algum a autora cita lugar e tempo, mas é através das observações e reflexões pueris da narradora, que teme um "acidente" com o pai, que ouve pequenas trechos de notícias pelo rádio do carro, que passamos a ter ideia de que toda a história se dá num dos mais tristes momentos da história do Uruguai, ou seja, à época da ditadura, entre o final da década de 70 e o início da década de 80..

“O locutor da voz grave me dá dor de barriga. Fico com medo do jeito que ele fala; fala de tarifas. Penso nos tarifas: uma tribo de aborígenes tarifas desce correndo a encosta de um monte parecido com esses das silhuetas escuras da estrada. Os tarifas descem correndo, batendo com a mão na boca e gritando que nem selvagens. Meu irmão atira uma flecha no chefe dos tarifas e acerta na testa dele. Ele cai com os olhos vazios. Eu subo num galho alto de uma árvore do vale e vejo os tarifas avançando como formigas que avançam em multidão. São formigas, de repente. Não me assusto. Tensiono o arco e a flecha dispara e atravessa a garganta de uma tarifa horripilante. É a esposa do chefe. Me vanglorio. Estamos conseguindo nos defender.”

 A narradora é uma criança, de fato, e o fluxo de pensamento e a sua fala seguem os parâmetros da sua idade, e é justamente esse equilíbrio entre o pueril e lírico olhar da criança e a elegância da escrita da Inés, que não cai no pieguismo uma vez sequer, que torna a novela ainda mais interessante. E a gente, leitores encantados, seguimos com ela essa viagem, e compartilhamos do seu desejo de que, ao final, ela não se acabe, já que, com certeza, essa viagem é como tantas que também já fizemos, ou que eu, pelo menos, já fiz, quando era mais fácil reunir a família inteira dentro de um Chevett branco...


♥♥♥♥





Título: Um, dois e já
Título original: Prontos, listo, ya
Autora: Inés Botagaray
Tradução: Miguel Del Castillo
Editora: Cosac Naify
Lançamento: 2010
Número de páginas: 96




4 comentários:

Lua Limaverde disse...

Paty, o que pega a gente nesse livro é essa viagem que todos fizemos nos anos 80 no banco de trás dos carrinhos velhos de nossos familiares. Nostalgia pura, né? Beijinho!

A Sagita - L. C. disse...

Parece ser um livro muito bom :)
E, eu te indiquei pra responder a Tag Liebster Award!! Espero que goste da tag e responda ela também!!
Acesse e confira o post da tag: Tag Liebster Award
Tô esperando pra ver quais vão ser suas respostas :)

Abraço!
Literariando Por Aí...

alineaimee disse...

Como a Lua falou, nostalgia pura!
Achei um livrinho doce!
:)

Lua Anna Costa disse...

Paty, me pareceu que sua viagem foi linda. Ainda nao o li, mas sua resenha e os comentarios me lembraram que nao somos tao diferentes assim dos nossos hermanos.