Por mais que tenhamos as convenções sociais, as idiossincrasias
pertinentes a cada um, jamais seremos uma ilha. E não há nada que aconteça ao
outro, quanto mais ele esteja próximo a nós, que não reflita em nós mesmos. E
essa questão, bem como a leitura de Norwegian Wood, do japonês Haruki Murakami,
me fez lembrar um dito de John Donne:
Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.
A perda de alguém querido já é
uma dor insuportavelmente difícil de lidar quando sabemos que é algo que não depende
de nós; mas como lidar com a mesma quando seu amor, seu melhor amigo, aos 17
anos, sem razão aparente, decide tirar a própria vida?
Mesmo assim, as lembranças sem dúvida se distanciam, e eu já me esqueci de inúmeras coisas. Por vezes, sou assaltado pela imensa apreensão de escrever este relato baseado na memória. Isso porque de repente imagino ter provavelmente deixado escapar da memória as partes mais importantes. Não teriam todas as recordações fundamentais se acumulado num local obscuro de meu corpo, numa espécie de limbo, transformando-se em lama inconsciente?
De qualquer forma, no momento isso é tudo que tenho. Aperto fortemente contra o peito as recordações imperfeitas que se dissiparam e continuam a se dissipar a cada novo segundo, escrevendo este livro como um homem faminto chupando ossos. Esse é o único modo de cumprir a promessa que fiz a Naoko.
É de dentro de um avião, no
momento em que ele ouve, pelo alto-falante, uma música que lhe é
emblemática, Norwegian Wood, dos Beatles, que Toru Watanabe, protagonista e
narrador da história, no auge dos seus 37 anos, começa a rememorar sua
adolescência, nos anos 60, vivida com uma dose extra de turbulência emocional; sua forma de
encarar e lidar com as questões do mundo e a sua relação com Naoko.
Naoko fora namorada de Kizuki, que era o melhor e o único amigo de Toru, no entanto, após Kizuki ter cometido suicídio, sem nenhuma razão aparente, Naoko e Toru se aproximam mais um do outro já que ambos tem em comum o fato de terem o mesmo elo em comum: Kizuki. Mas o que, de certa forma é mais que esperado, Toru e Naoko se apaixonam, mas o elo para esse romance e a sua barreira continuam sendo o luto, a melancolia e a falta de Kizuki.
Naoko, por não se recuperar da perda, é internada em uma espécie de clínica psiquiátrica, que fica no campo, onde as pessoas tem um ritmo de trabalho organizado e vivem em alojamentos com um ou duas colegas de alojamento. Sua relação com Toru acaba se limitando à cartas e algumas visitas dele à clínica. E é nesse ínterim que Toru conhece e desenvolve sua amizade com Nagasawa, que é rico e, apesar de ser muito inteligente, é desprovido de escrúpulos, pois para ele ninguém é bom o suficiente e ou está à sua altura, sua diversão é sair a noite para beber e transar com o maior número de mulheres possível. E Toru, talvez por carência e pela falta de experiência com mulheres, entra neste ritmo durante um tempo, mas logo percebe que este estilo de vida não combina com a sua forma de pensar e viver.
- Eu gostaria que você nunca se esquecesse de mim. Você vai se lembrar para sempre que eu existi e estive aqui ao seu lado como agora?
- Claro. Vou me lembrar para sempre - respondi
No entanto Toru vê sua confusão mental e emocional, com relação a sua quase inexistente relação amorosa com Naoko, aumentar quando passa a se relacionar mais estreitamente com Midori, uma colega de faculdade. Os dois acabam passando mais tempo juntos e se afeiçoam um ao outro, e é aqui que entra um dos pontos que mais gostei do romance, pois tanto Midori como Naoko passaram por situações limites em suas vidas e cada uma lida de forma diferente com essas questões. Enquanto Naoko se fecha cada vez mais em meio à melancolia, culpa e outros sentimentos, Midori é expansiva, alegre, sensual, exótica e que tem um grande apego à vida.
O erotismo, sensualidade e cenas que falam ou mesmo descrevem atos sexuais pontuam todo o romance, mas não de forma vulgar, mas com toques de uma certa ingenuidade adolescente, quase onírica, e a linguagem usada por Murakami aqui é o segredo, pois ela é simples e bem direta.
Outro ponto que me fez pensar é em como a sociedade japonesa é muito suscetível ao suicídio, pois ele é tratado em todo o romance, e me admirou a forma como o autor trabalhou bem essa questão, mostrando que, de certa forma, não é algo a ser entendido, mas sim superado e a importância de manter sempre em mente a necessidade de seguir em frente.
Toru, Naoko e Midori são personagens muito bem construídas por Murakami, e cada uma delas com feridas profundas e desamparadas. Por conta de situações diversas e extremas são levadas a lidarem consigo mesmas, onde algumas, em seus momentos, terão sucesso, e outras não. A dor está fortemente pontuada em toda a narrativa, até mesmo nos momentos felizes, que são carregados de um certo tom de culpa e nostalgia.
De qualquer forma, porém, naquele agradável início de tarde de final de setembro, todos pareciam alegres e isso me provocou uma solidão fora do comum. Senti como se eu fosse o único a destoar dessa paisagem. Pensando bem, eu me perguntava a que paisagem eu havia pertencido todos aqueles anos."
Inúmeras referências à literatura e à música permeiam toda a obra, sendo as mais repetidas O Grande Gatsby, do Fitzgerald e A Montanha Mágica, de Thomas Mann, além de várias músicas dos Batles, Creedance, Thelonious Monk, Tom Jobim, Debussy entre muitos outros, pois é reconhecido o amor que Murakami tem pelos livros e pela música, tendo sido, ele mesmo, dono de uma pequena loja de discos.
Com Norwegian Wood, Murakami nos mostra que não há uma realidade perfeita e de eterna felicidade sem mácula . Estamos sempre diante de escolhas e não há certeza e que serão as melhores ou piores e ninguém nos poderá dizer, a não ser que experimentamos!
De qualquer forma, porém, naquele agradável início de tarde de final de setembro, todos pareciam alegres e isso me provocou uma solidão fora do comum. Senti como se eu fosse o único a destoar dessa paisagem. Pensando bem, eu me perguntava a que paisagem eu havia pertencido todos aqueles anos.
♥♥♥♥♥
PS: Ah, as borboletas na capa, da edição da Alfagura, são uma explicação á parte! ;oD
Título: Norwegian Wood
Autor: Haruki Murakami
Editora: Alfaguara
Ano: 2008Páginas: 360
Tradutor: Jefferson José Teixeira
2 comentários:
Que delícia de resenha, Paty!
Até agora, só li 1 livro do Murakami e gostei bastante. Também notei a importância da música na obra do autor. Preciso ler Norwegian Wood o quanto antes, principalmente porque quero ver o filme (mas só depois de ler o livro).
bjo
Nossa, amei a resenha! Norwegian Wood é o próximo que quero ler, e o primeiro título do Murakami a me chamar a atenção (Beatlemaníaca mode on), apesar de ter demorado um pouco pra conseguir comprá-lo. Conheci o autor com Após o Anoitecer e me apaixonei por seu estilo narrativo. É um livro um pouco mais leve, mas que nos permite fazer várias reflexões sobre o valor da vida. Também recomendo.
Bjos!
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